Vínculos tóxicos – Família
laços de amargor
Os vínculos tóxicos: é comum no consultório, ouvindo os relatos dos
pacientes, ou mesmo em nosso dia a dia, nos depararmos com um amigo, primo,
colega de trabalho, enfim, alguém que percebemos ser uma pessoa com muitas qualidades,
uma pessoa como podemos dizer… “do bem” sendo “usada”, “manipulada”,
“escravizada” por outras pessoas.
Ficamos perplexos e se temos intimidade perguntamos: como você aguenta? Não
vai falar nada? Fazer nada? E de repente … o silêncio misturado com a vergonha
se rompe em uma justificativa paralisante…
“Então, é minha mãe, ou meu pai, meu irmão, minha filha, minha esposa, meu
marido…”
Como se estes laços sanguíneos ou no caso do casamento, “de papel passado”,
justificassem os abusos psicológicos e até físicos sofridos por muitos. Laços
familiares que estão mais para correntes de aço, que te prendem, sufocam e que
te matam aos poucos.
Em nossa cultura judaico cristã pai e mãe estão no sagrado, o lar é sagrado.
Por exemplo, de mãe tomamos Nossa Senhora e por filho… ah, o filho exemplar é
Jesus Cristo. Pai, este sim, o Todo Poderoso que tudo vê e tudo pode, afinal
criou o mundo!
Trazer um
pouco de consciência e de humanidade às famílias e em alguns casos questionar
sua forma de funcionamento é mexer nesse sagrado e, este sagrado, está em nosso
inconsciente coletivo… todos esperam ter a “sagrada família”, e não se pode
questionar ou mexer nesse sagrado sem dor.
A lei do
divórcio no Brasil veio em 1977 afinal casamento é pra vida toda! Só de olhar
para este fato tão recente ― de que divórcio não existia e sempre é um processo
doloroso para os que atravessam ― podemos perceber o quanto dói mexer na
família.
Apesar de termos em nossa mente a família como algo
sagrado, nós somos humanos, cometemos erros e isso faz parte de nossa espécie.
A questão
é que há muitos casos onde, ultrapassada a barreira saudável, da convivência,
entra-se na humilhação, violência, abuso, manipulação psicológica; ou seja,
vivemos com o demônio! Sem paz, sem alegria, como no filme Dormindo com o Inimigo
e, aguentamos anos após anos, cada vez perdendo nossa própria voz em prol de
laços afetivos.
Veja também sobre vínculos tóxicos e violência:
Quantas
crianças perdem sua infância limpando a casa com serviço pesado e ainda
sofrendo humilhações das mais sórdidas, meninas e meninos espancados por não
trazerem dinheiro para sustentar vícios de seus pais, filhas e filhos que se
tornaram pais de seus pais, vão buscá-los em bares, dão banho e comida,
familiares que usaram e abusaram do crédito do nome de seus filhos, esposa,
marido, filha sendo aliciada por sua própria mãe, irmãos que roubam toda
herança da irmã (o) quando morre o pai, ou avós, pais, tios que abusam
sexualmente de filhas, netas, enfim a lista é tamanha que não caberia aqui.
São
vivências e dores contínuas, jogos de manipulação, humilhações, uma rotina, um
segredo de família, uma vergonha misturada com medo que paralisa e petrifica.
As vezes nem se sabe se é possível ser diferente, até porque nunca foi
diferente e essa realidade foi vivida sempre assim.
Sim é seu pai, sua mãe, seu irmão e isso você não
teve escolha, mas hoje, o que você escolhe fazer?
A família
ou as pessoas que exercem este papel são base para constituição da pessoa: é
através dela que começamos a conhecer o mundo.
Mas quando o vínculo é venenoso, como fazer para sair
disso?
O caminho
é longo e dolorido, pois temos na família nosso modelo de valores, a
necessidade de pertencer, aspiramos por amor e compreensão e temos a fantasia
de que a família é o sagrado e que lá encontraremos tudo isso, mesmo que seja
algo tão ruim e danoso para algumas pessoas.
Tendo a
família como base da constituição e estando ela em nosso sagrado, cortar este
laço é como cortar algo de si, é como amputar um membro. Fazemos de tudo pra
salvar, queremos manter, mas as vezes por mais que desejemos manter, o que
precisa ser feito é retirar esta parte que nos pertence para que a vida seja
salva e para que a ferida possa começar a cicatrizar. Sim, laços venenosos
precisam ser rompidos.
A terapia vem para colocar uma lupa na relação.
Olhar o que é seu e o que é da outra pessoa.
Às vezes a convivência pode ser possível, mas em relacionamentos abusivos é
necessário a separação física mesmo! É quase impossível fortalecer o ego de uma
pessoa que foi a vida inteira explorada, humilhada, manipulada, violentada,
convivendo no mesmo ambiente que o da pessoa que o (a) fez sofrer.
Seria possível Rapunzel continuar na torre, como se nada tivesse acontecido,
após descobrir que foi raptada, que a bruxa não é sua mãe e que explorava os
dons de seus cabelos? Acho que não.
Da mesma
forma, após adquirir consciência da relação, a pessoa sofre muito e o papel da
terapia é auxiliar nesta jornada, não só a enxergar a relação, como buscar
fortalecer o paciente para que ele possa achar os caminhos e sair da
prisão.
É difícil enxergar o abuso parental e os vínculos
venenosos.
Muitos
ouvem ainda que “é para o seu bem”, ou “é para ajudar a família”, “mas é seu
pai (mãe)” … mas e você? E para você? E
o que você pensa? Por isso que nos casos de violência doméstica e abuso sexual
a denúncia ainda é rara e quando há, não tem o total apoio da “família”.
Estes
laços afetivos que são laços de fel, deixam marcas para toda uma vida, nos
atormentam em relacionamentos futuros com cônjuge ou no trabalho, nos diminuem
ou nos deixam duros demais. É preciso salvar nossa alma, salvar nosso eu e
resgatar o brilho da vida que nos foi tirado.
No Comments