Philippe Perrenoud
Uma sala
de aula hoje e há cem anos não é muito diferente. Apesar das novidades em
equipamentos e dos avanços na gestão dos espaços escolares, uma ‘classe’ ainda
é, na maioria das vezes, caracterizada pela homogeneização. Cadeiras iguais,
devidamente organizadas, com alunos uniformizados e sentados, muitas vezes em
ordem alfabética, como se aprendessem todos ao mesmo tempo e da mesma forma.
Nas últimas décadas, no entanto, pesquisadores da área da educação estão
desmistificando este tipo de prática. Cada vez mais, termos como “diversidade”
e “heterogeneidade” povoam os planejamentos escolares e os projetos
político-pedagógicos das instituições de ensino. Ideias e conceitos como o da
pedagogia diferenciada e as novas competências para ensinar, desenvolvidos pelo
sociólogo suíço Philippe Perrenoud, tomam as salas de aula e os espaços de
formação. A aprendizagem escolar acontece de diferentes formas para diferentes
pessoas e não há como pensar na sala de aula contemporânea sem pensar naquilo
que é diverso.
O espanhol César Coll e o americano Howard Gardner, por exemplo, defendem que é
preciso olhar para os alunos de maneira especial. Pierre Lévy nos mostra a
amplitude do conceito de cibercultura, e a brasileira Martha Gabriel coloca em
jogo a ideia de cibridismo e a extensão do nosso cérebro para os meios
digitais.
Apresentamos um pouco mais do pensamento de Perrenoud, professor da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. O sociólogo
suíço é autor do livro Dez Novas Competências para Ensinar e discute o que deve
ser transformado na formação dos educadores para que a sala de aula tradicional
possa, enfim, mudar.
“Nós passamos anos formando professores com base no pressuposto de que o aluno
aprende de determinada forma”, afirma Karina Pagnez, Professora Doutora em
Psicologia da Educação da Universidade de São Paulo. “Mas a própria formação
foi mostrando que o aluno seria um sujeito epistêmico. Perrenoud joga na nossa
cabeça uma centelha ao dizer ‘gente, vamos parar para pensar nas possibilidades
e desconstruir a ideia de professor detentor de saber’”, explica.
Para o suíço, o professor precisa dedicar mais energia e atenção aos alunos com
mais dificuldades de aprendizagem. Assim se faz uma pedagogia diferenciada, que
ajuda a desenvolver métodos para que a aprendizagem aconteça para todos os
alunos. “Cinquenta alunos de uma mesma turma não aprendem da mesma forma. Isso
depende de condições sociais, biológicas e psicológicas. Eu não diria que é
possível você detectar todas as diferenças, mas a partir da formação e do
estudo é possível entender novas formas e utilizar diferentes recursos para
ensinar”, defende Karina.
Para que essa transformação realmente aconteça e as habilidades dos alunos
comecem a ser enxergadas separadamente, Perrenoud indica que o educador deve
ser detentor de uma série de competências trabalhadas desde o início da sua
formação. “Nós precisamos de uma formação de professores que discuta o processo
de ensino e aprendizagem profundamente, uma formação de um indivíduo que seja
capaz de pensar, construir e desconstruir práticas a partir da teoria que
aprendeu”, indica Karina, da USP.
Confira as 10 novas
competências para ensinar
- Organizar e dirigir
situações de aprendizagem – Planejar projetos didáticos, envolver os
alunos nessas atividades e saber lidar com erros e obstáculos.
- Administrar a progressão das
aprendizagens – Conhecer o nível e as possibilidades de desenvolvimento
dos alunos, além de acompanhar sua evolução e estabelecer objetivos claros
de aprendizagem.
- Conceber e fazer evoluir os
dispositivos de diferenciação – Trabalhar com a heterogeneidade, oferecer
acompanhamento adequado a alunos com grande dificuldade de aprendizagem e
desenvolver o trabalho em equipe.
- Envolver os alunos em suas
aprendizagens e em seu trabalho – Instigar o desejo da aprendizagem nos
alunos integrá-los nas decisões sobre as aulas e oferecer a eles
atividades opcionais.
- Trabalhar em equipe –
Elaborar projetos em equipe com a turma e com outros professores, trocar
experiências e colaborar com outras atividades promovidas pela escola.
- Participar da administração
da escola – Elaborar e disseminar projetos ligados à instituição, além de
incentivar os alunos a também participarem dessas atividades.
- Informar e envolver os pais
– Conversar, promover reuniões frequentes e envolver as famílias na
construção do saber.
- Utilizar as novas
tecnologias – Conhecer as potencialidades didáticas de diferentes recursos
tecnológicos.
- Enfrentar os deveres e os
dilemas éticos da profissão – Lutar contra preconceitos e discriminações,
prevenir a violência e desenvolver o senso de responsabilidade.
- Administrar sua própria
formação continuada – Estabelecer um programa pessoal de formação
continuada e participar de grupos de debate com colegas de profissão.
O coletivo pela aprendizagem
Para Philippe Perrenoud, o processo de absorção das novas competências para
colocá-las em prática no dia-a-dia escolar envolve não apenas a formação
acadêmica do professor, como também uma aproximação com o meio, que vai além
dos muros da escola. Os pais e a comunidade escolar devem estar inseridos no
processo de ensino e aprendizagem, tanto como um apoio para o aluno, quanto
como indivíduos ativos no ensino.
Mas mais importante do que envolver a comunidade, o educador deve, antes de
tudo, colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem. “Perrenoud diz que
se o professor não integrar o aluno e mostrar claramente como aquilo é
importante para ele, é impossível que se consiga ensinar”, acentua Karina.
Nesta nova visão educacional, o aluno passa a estar entre o professor e o
conhecimento, sendo fundamental para que o processo funcione e seja aprimorado
com o passar do tempo.
E não é apenas a interação entre o aluno e o professor que começa a mudar neste
cenário, mas principalmente a interação entre os próprios estudantes. A
professora Karina afirma que o trabalho em grupo é algo a ser trabalho dentro
das escolas, com os alunos ensinando uns aos outros. Além disso, também é
primordial que os professores conversem mais entre si, trocando ideias e experiências,
para que os projetos escolares enriqueçam. “Por que não ajudar o outro? Você
sai da perspectiva de competição e passa para a da colaboração, começa a
desenvolver habilidades de relacionamento”, explica à educadora.
Novas ferramentas para uma nova sala de aula
O uso das novas tecnologias potencializa a ideia de pedagogia diferenciada, já
que recursos como os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) e as plataformas
de ensino adaptativo, por exemplo, configuram-se como meios indiscutíveis para
atender aos alunos de maneira adequada.
“A tecnologia nos mostra um ambiente diferenciado, extremamente atrativo e que
possibilita desconstruir o espaço de sala de aula física e criar um ambiente
virtual”, explica Karina Pagnez. Para a educadora, contudo, é preciso cuidado
na hora de utilizar essas ferramentas: “O professor precisa de boa formação
para entender que a tecnologia não é fim, é meio”, defende.
As competências de ensino indicadas por Perrenoud apresentam o perfil do bom
professor do século 21. O suíço propõe uma discussão que vai além do debate
sobre utilizar ou não às tecnologias, mas aprofunda-se ao propor uma
transformação geral da sala de aula, voltada principalmente às relações
estabelecidas na comunidade escolar. A ideia de que a aprendizagem depende de
um conhecimento detalhado sobre cada aluno está cada vez mais em evidência.
Entretanto, esta grande mudança está diretamente relacionada à melhoria na
formação dos professores, que também deve começar a ser vista sob uma nova
perspectiva para que a escola seja, de fato, rica por sua heterogeneidade.
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