Introdução aos números
racionais
Quando começa o aprendizado dos racionais, tudo o
que as crianças sabiam sobre o sistema numérico é colocado em questão.
EVOLUÇÃO
GRADUAL A partir do 4º ano, a garotada conhece o modo de representar partes de
um todo. Foto: Rogério Albuquerque e ilustração Carlo Giovani
Depois de
conhecer e dominar as regras sobre os números naturais chega o momento de os
alunos se familiarizarem com outra classe: as frações. Nos primeiros contatos,
eles tentam transpor os conhecimentos já adquiridos sobre os números inteiros
para esse outro universo numérico. De acordo com Claudia Broitman, da
Universidade Nacional de La Plata, isso representa ao mesmo tempo um obstáculo
- que pode ser vencido com atividades bem conduzidas - e um ponto de apoio para
a nova aprendizagem (leia entrevista no quadro abaixo). Nessa etapa, as
crianças enfrentam o desafio de descobrir que com os racionais elas podem
continuar a fazer as mesmas atividades que desenvolviam com os naturais. Porém,
para isso, precisam deixar de lado alguns saberes já construídos para que
outros sejam produzidos. "Cabe à escola proporcionar situações em que
fiquem claras as diferenças entre os conjuntos para que as crianças confrontem
os saberes", afirma Héctor Ponce, pesquisador argentino de Didática da
Matemática. Levar os alunos a refletir sobre o que são frações e para que elas
servem é um caminho.
As
primeiras noções já podem ser introduzidas no 2o e no 3o ano do Ensino
Fundamental, nas formas mais simples, como 1/2 e 1/3. "Ou até mesmo antes,
se o professor sentir necessidade de usar tais representações na realização de
alguma atividade", diz Daniela Padovan, professora do Colégio Friburgo e
da EE Professora Marina Cintra, ambas em São Paulo. Um exemplo é quando aparece
"suco de 1/2 limão" ou "1 e 1/2 copo de leite" em uma
receita usada em atividades de leitura. "Essa é uma boa oportunidade para
explorar também com os menores o significado dessas informações, discutindo a
maneira de escrever, sem precisar dar uma aula sobre o tema ou falar em
conceitos", declara Daniela.
Por que
as crianças têm dificuldade com frações?
Historicamente, os fracionários foram criados para dar conta de questões que os
naturais não podem resolver. Os problemas que se apresentam envolvendo esses
números são muito mais complexos para os estudantes. O aprendizado implica
romper com muitas das certezas e dos saberes que as crianças construíram desde
o início da vida escolar. Considerar essas rupturas é uma forma bastante eficaz
de jogar luz sobre a origem das dificuldades enfrentadas na aprendizagem desse
novo campo numérico e, com isso, ajudar todos os alunos a avançar
Como evitar a confusão com os números naturais?
O professor pode antecipar esses erros e gerar discussões em torno deles. Os
estudantes percebem quais as certezas, as propriedades e as relações dos
naturais que funcionam com as frações e quais não podem ser transportadas.
Dessa forma eles tomam consciência das diferenças entre os campos numéricos, e
isso ajuda no avanço dos conhecimentos.
Que estratégias aproximam esse conteúdo da vida dos alunos?
Nos início da escolaridade, entre o 2º e o 4º ano, já é possível iniciar o
trabalho com questões que envolvam metades e quartos relacionados a medidas de
peso, capacidade e tempo. Quer alguns exemplos? "Temos nas gôndolas do
supermercado garrafas de 1 litro e 1/2, de 2 litros e 1/4 e de 1/2 litro de
refrigerante. Preciso comprar 5 litros. Quais delas eu devo escolher?" Ou:
"Eduardo comprou 3/4 de quilo de sorvete de chocolate, 3/4 de quilo de sorvete
de baunilha e 1/2 quilo de sorvete de frutas. No total, ele comprou mais ou
menos que 3 quilos?" Ou ainda: "Laura faz 1/2 hora de ginástica na
segunda-feira, 3/4 de hora na terça, 1/4 de hora na quarta e 1 hora e 1/2 na
quinta e na sexta. Em uma semana, ela faz mais ou menos que 4 horas de
exercícios físicos?" Problemas como esses despertam o hábito do cálculo
mental em situações fora do âmbito escolar.
Por que usar o contexto social nas questões propostas?
O uso social permite aos alunos recorrer a conhecimentos extraescolares
como apoio para analisar os resultados e controlá-los, ao mesmo tempo em que
será fonte de outros problemas e o início da sistematização de novas relações.
Mas será necessário promover um salto desse uso intuitivo e informal,
aprofundando sempre a análise de tais conceitos, o que vai acontecer entre o 4o
e o 9o ano.
O que as crianças aprendem?
A intenção é familiarizá-las com a escrita e fazer com que os termos sejam
incorporados à linguagem coloquial. Elas desenvolvem recursos de cálculos de
equivalência sem recorrer a nenhum algoritmo.
Situações
do cotidiano
A partir do 4º ano, o estudo constante dos números racionais se torna
necessário, pois eles começam a aparecer em diversas situações científicas e do
dia-dia que precisam ser compreendidas. Utiliza-se esse sistema numérico quando
se fazem medições e sobra uma parte que não corresponde a uma unidade de medida
inteira, ao comprar meio quilo de algum mantimento, ao dividir a pizza em
pedaços iguais etc. São momentos em que os naturais não dão conta de
representar a realidade. Na história da numeração, as frações surgiram
justamente para resolver tais impasses. Conhecer o funcionamento e as regras
dessa classe numérica é fundamental para que o aluno continue a aprofundar os
conhecimentos ao longo da vida escolar em álgebra e em fórmulas de Física, por
exemplo. Por enquanto, porém, os alunos dos primeiros anos do Ensino
Fundamental devem aprender a reconhecer as frações e as situações em que seu
uso se faz necessário e aprender a compará-las e ordená-las. Além disso,
precisa saber realizar somas e subtrações envolvendo as que têm o mesmo
denominador ou recorrer às equivalentes quando os denominadores forem
diferentes. Os alunos também devem saber reconhecer as que representam
quantidades, principalmente as mais usadas, como 1/2, 1/3, 1/4, 1/10, 1/100
etc., e a realizar cálculos com elas. A questão é como ensinar esse conteúdo
aos estudantes, fazendo com que eles compreendam as características e
particularidades desse sistema numérico diferente. Segundo Ponce, o ensino
tradicional segue uma lógica linear que nada tem a ver com a produção do
conhecimento: "Em geral se começa com a definição conceitual, a
classificação, a comparação e a equivalência, para só depois ingressar nas operações,
nas frações decimais, e na medida e nas situações em que elas são de fato
utilizadas". Para questionar esse procedimento, Héctor Ponce apresenta um
problema: se 4 alunos tiverem de repartir 6 biscoitos entre eles, em partes
iguais, várias possibilidades podem aparecer: dividindo cada biscoito em 4,
caberão 6/4 para cada um; partindo-os na metade, restam 3/2 por criança; e cada
uma pode ficar ainda com 1 bolacha inteira e 2/4 ou 1 inteira e 1/2. "A
análise de uma situação como essa expõe desde o começo a insuficiência dos
números naturais para lidar com a questão das partes, ao mesmo tempo em que
introduz a noção de equivalência dos resultados", diz ele.
Discutir soluções
Para aprofundar o aprendizado, as frações devem aparecer em contextos variados
que levem os estudantes a realizar com elas as mesmas atividades que
desenvolvem com os números naturais, como somar, dividir e ordenar. "É
preciso fazer com que a turma estabeleça relações entre as frações ou entre os
problemas que elas ajudam a resolver desde o início do aprendizado",
conclui Ponce. É importante oferecer oportunidades de confrontar ideias.
"O debate força os alunos a explicitar suas hipóteses, refletir sobre as
dos colegas, desenvolver a capacidade de argumentação e reelaborar o pensamento
inicial", afirma a professora Daniela Padovan. Para estimular a discussão,
coloque-os para conversar sobre as diferentes soluções produzidas diante de um
determinado problema e proponha desafios em que seja possível testar as
diversas estratégias. A professora sugere o trabalho com divisões de papéis,
com quantidades discretas (que podem ser contadas) e contínuas (áreas, volumes
etc.), para que haja compreensão desse universo numérico. Assim, é possível
assimilar com mais facilidade que, no domínio dos números naturais, 3 é maior
que 2, mas que no das frações 1/3 é menor que 1/2.
Dificuldades
à vista
Para
entender os números racionais, os estudantes precisam vencer alguns obstáculos
relacionados aos números naturais com a ajuda do professor:
As propriedades Números naturais ou inteiros sempre aparecem em uma sequência:
1, 2, 3, 4, 5, 6 etc. Mas o que vem depois de 1/2? E depois de 7/8? "A
propriedade de ter um sucessor ou um antecessor é característica exclusiva dos
naturais", explica Hector. A densidade é uma das particularidades dos
números racionais: entre dois deles existe uma infinidade de outros. As
crianças também tendem a utilizar as regras de funcionamento dos naturais ao
fazer operações. Quando se multiplica um inteiro por outro, sendo este distinto
de zero ou 1, o resultado é sempre maior do que os fatores. Exemplo: 3 x 4 =
12. O mesmo não acontece com as frações. Peça que os alunos multipliquem 4 x
1/2. Certamente ficarão admirados ao perceber que o resultado é 2. Na divisão
de naturais, o quociente Dificuldades à vista (se for diferente de 1) é sempre
menor que o dividendo. Nos racionais, porém, é possível que ele seja maior.
Exemplo: 2: 1/4 = 8.
Os algoritmos A forma de escrever frações reforça o obstáculo representado
pelos naturais no aprendizado dos racionais. Héctor Ponce dá como exemplo a
multiplicação 2/3 x 3/5 = 6/15. Para obter o resultado dessa operação,
provavelmente será ensinado que basta fazer 2 x 3 e 3 x 5 (ou seja, multiplicar
entre si os numeradores e depois os denominadores), transformando em uma
operação de inteiros. "Os algoritmos não devem ser enfatizados, sob pena
de empobrecer os sentidos desse campo da Matemática", afirma ele. Sem
contar que, com isso, o professor reforça uma hipótese dos alunos de que uma
fração não é um número, mas dois.
O que são
frações?
CONCEITO
As frações positivas e negativas, assim como os naturais e os inteiros,
formam os números racionais. No Ensino Fundamental, os alunos trabalham apenas
com os racionais positivos, ou seja, maiores ou iguais a zero. Um mesmo número
racional nada mais é que uma família composta de diversas frações equivalentes.
Exemplo: 1/2 = 2/4 = 4/8, e assim por diante. O racional é representado pelo
quociente A/B, em que A e B são inteiros e B é diferente de zero.
Funções
Expressar o resultado de uma medição não exata.
Exemplo: Se o retângulo mede 1, quanto mede a parte em destaque?
Expressar uma divisão.
Exemplo: Tenho 5 doces para repartir em partes iguais entre 3 crianças. Quanto
cada uma receberá?
Expressar proporcionalidade.
Exemplo: Na planta de minha casa, 2 centímetros representam 3 metros. Minha
cozinha mede 4 x 5 metros. Como ela será representada? Quais as dimensões de um
galpão que na planta é um retângulo de 5 x 10 centímetros?
Expressar a relação entre as partes e o todo.
Exemplo: Para fazer uma jarra de suco, misturo 1 copo do líquido
concentrado com 5 medidas de água. Se eu quiser fazer menos bebida conservando
o mesmo sabor, que doses devo usar? E se quiser fazer mais suco?
No Comments