Educar não é adestrar
Muitos pais pedem este conselho: como educar em pleno século 21? A resposta
é complexa.
Somos dominados pela cultura da performance. O conteúdo está em alta,
especialmente o de imediata aplicação. O vestibular tornou-se um vórtex e o
ingresso em centros de excelência virou meta familiar, pois todos ficam
envolvidos emocionalmente no esforço dos jovens.
É fundamental que a criança e o adolescente dominem coisas como linguagem
escrita/oral e habilidades matemáticas. Serão úteis por toda vida. Porém, há
dois campos que fogem à aplicação imediata. O primeiro é a educação das artes
plásticas. Alfabetizamos para a leitura de textos e raramente educamos para a
leitura de imagens. Vivemos imersos num mundo visual e não nos adaptamos a
isto. O desafio do olhar é intenso e o jovem quase nunca tem habilidade e
repertório para julgar este mundo de fotos e desenhos que flui pela rede.
Somos, quase todos, analfabetos visuais.
Levar uma criança/adolescente a um museu é algo muito importante. Deve-se
preparar a experiência mostrando algumas obras que serão vistas. Devemos dar
informações lúdicas e práticas. Deixe seu filho perceber a cor ou a espacialidade.
Ele deve ser livre para se expressar e não devemos julgar o parecer de
imediato. Importante: fique um tempo reduzido no museu, proporcional à idade.
Aumente este intervalo a cada novo passo da maturidade. Podemos evocar o tema
do que foi visto em conversas familiares. Indique sites que aprofundem a
experiência. Isso tudo faz parte de uma educação visual e artística. O olhar
fica mais sensível e amplo. Use todas as oportunidades. Indique como o selfie
que ele tanto faz apresenta uma composição espacial. Introduza, aos poucos, a
gramática de cada escola artística. Aprendizado implica esforço.
Educar não é adestrar, mas ampliar e estimular o repertório para que cada
ser faça parte da aventura humana. A educação pela arte é poderosa e pode
mudar, para sempre, a vida de alguém.
O outro ponto é a música. Todos os seres humanos deveriam ser expostos à
linguagem musical desde cedo. Crianças amam o ritmo de tambores (para desespero
de pais) e podem entrar logo no campo da melodia. Caixinhas de música seduzem bebês.
Alfabetizar em música é algo muito bom. Em primeiro lugar, poucas coisas exigem
áreas tão variadas do cérebro. Tocar requer habilidade motora das mãos,
matemática do compasso, sensibilidade e abstração interpretativa. Descobrir
esse universo é algo que ilumina as sinapses e estabelece a comunicação entre
os dois lados do cérebro. Acreditem: a música torna as pessoas mais
inteligentes! Rousseau, Nietzsche, Adorno e Barthes foram muito interessados em
música. Parte de sua agudeza mental derivou disto.
Há outra vantagem na educação musical. Ao estudar piano, violão ou outro
instrumento, despertamos um verdadeiro método. A criança começa com 15 minutos
diários, depois meia hora e vai aumentando. É um sistema crescente de
concentração. Surge uma arquitetura gradativa que estimula a paciência. Foco é
um diferencial enorme nas relações profissionais e afetivas.
O livro O Grito de Guerra da Mãe Tigre (Amy Chua) narra a experiência de uma
sino-americana com suas filhas Uma foi levada ao piano e outra ao violino.
Dentro dos princípios defendidos pela mãe, as meninas foram estimuladas a um
alto grau de excelência quase obsessivo. Proponho algo diferente, mas Amy Chua
tem a vantagem de ter uma estratégia e de se envolver nela.
A música é para criar alma, não para tocar, obrigatoriamente, no Carnegie
Hall ou na Sala São Paulo. Preciso estudar música para ser um bom ouvinte. O
jovem deve ser incentivado até o ponto em que ele possa se divertir com a
música. Todos ganham com esse aprendizado. Possibilitamos, com as artes, que o
indivíduo viva sua sensibilidade, crie foco e amplie seu leque de interesses.
Pense bem: se você não quiser enfatizar isso porque seu filho não será músico
ou pintor, deveria evitar que ele aprenda a ler, porque ele também não será
escritor. Interrompa a Educação Física: ele não competirá nas próximas
Olimpíadas. Educação é para formar o ser humano completo, não para tornar cada
atividade um projeto de carreira. A carreira virá de forma natural, ela é
efeito de uma causa anterior, a personalidade.
Livros, tabela periódica, fórmulas físicas, redação, processos históricos:
tudo isso pode ser parte de um projeto. Desejei reforçar a arte e a música como
linguagens específicas para um diferencial humano. Meu ex-professor, Pe. Milton
Valente SJ, afirmava: non scholae, sed vitae discimus (não é para a escola, mas
para a vida que aprendemos). Poucas coisas têm tanta vida no mundo como a
criatividade artística e musical. Ouse, crie e acredite: seu filho será outro
se tiver acesso a estes dois mundos. Focar somente no que vira lucro é bom para
o projeto de hamsters amestrados, não para pessoas integrais. Não temos a menor
ideia de qual carreira será brilhante em 2046, mas todas necessitarão de
criatividade e inteligência. Aproveito e agradeço a todos os meus mestres que
apostaram que haveria vida após o vestibular.
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