Para a
filósofa Viviane Mosé, a escola contemporânea precisa saber ensinar o aluno do
século 21 a aprender a aprender.
A cada
dia que passa, as pessoas estão cada vez mais conectadas. Imersos numa cultura de
rede, os alunos deste novo século têm diante de si uma infinidade de
informações, tudo a um simples clique. Uma realidade bem diferente daquela que
o seu professor teve no passado. Lidar com uma estudante digital é um dos
principais desafios da nossa escola, ainda vivenciando numa lógica tradicional
e desconectada desse novo contexto de conexão em rede. Esse é um dos principais
aspectos que, segundo a filósofa e professora universitária Viviane Mosé, faz
com que as nossas instituições de ensino se distanciem de um modelo
contemporâneo de escola.
Com o
livro A Escola e os Desafios
Contemporâneos recém
finalizado, Viviane é uma das participantes convidadas para o 2º Congresso Educação: agenda de
todos, prioridade nacional, organizado pela ONG Todos Pela Educação, que será realizado nos dias 10
e 11 de setembro em Brasília. A filósofa vai compor uma sessão de debates
focada nos desafios das escolas que ainda não estão conectadas à
contemporaneidade e de que maneira a sociedade civil pode contribuir nessa
questão. Todo o evento poderá ser acompanhado por transmissão on-line.
Crítica
de uma educação de massa, que despreza a individualidade de cada estudante,
Viviane afirma que para melhorar a qualidade do ensino, é preciso criar uma
“nova escola”. “A nossa educação é ruim em todos os níveis, inclusive o
universitário, que ainda forma os professores para o século 20. Mesmo que a
educação básica pública venha melhorando a cada ano em relação à escola
privada. Precisamos mudar profundamente nosso sistema de ensino. Mas trata-se
de uma mudança mais profunda, uma mudança conceitual. Temos que ensinar os
nossos alunos a aprender a criar conhecimento. E trabalharmos dentro de uma
lógica de rede, conectando os saberes de forma multidisciplinar.”
Para
melhor entender as ideias de melhoria do sistema de educação do país e o
conceito de escola contemporânea proposta pela filósofa Viviane Mosé, confira a
seguir a entrevista:
A senhora
defende a ideia de que nossas escolas poderiam ser melhores se elas fossem mais
contemporâneas. Esse é um dos grandes desafios de hoje?
Sim. Para
termos uma educação contemporânea é preciso sabermos ler a sociedade atual que
nos rodeia. Hoje, no nosso país, temos mais de um celular por habitante. Somos
umas das nações que mais utiliza os telefones celulares. E com a revolução
tecnológica, é possível ter acesso por meio dele a, praticamente, tudo sobre
história, atualidades, ciência, filosofia. Sendo assim, por que os alunos ainda
precisam decorar as margens dos afluentes do Amazonas e a tabela periódica?
Pelo seu próprio celular ele sabe que a qualquer momento ele pode conferir
essas informações na palma da mão. Os alunos precisam é ser instruídos a
selecionarem e filtrarem os conteúdos que já estão disponíveis na
internet. As escolas precisam se dar conta desse contexto e trabalhar
dentro de uma lógica de atividades que foquem nos interesses dos alunos, mas
claro, sempre considerando os parâmetros curriculares.
O foco,
então, seriam os interesses dos alunos?
Exatamente.
Os nossos alunos precisam aprender a aprender. Escolas contemporâneas estão
mais preocupadas com a aprendizagem do que com o ensino. Hoje, a educação é
centrada na figura do professor e não no aluno. Temos que buscar estimular nas
nossas crianças a capacidade de reflexão, de argumentação e criticidade.
E oferecê-las, dentro das diversas possibilidades, caminhos para que elas encontrem
seus principais interesses. É possível incorporarmos essas ideias dentro das
nossas escolas.
Para
tanto, os nossos professores precisariam ter uma nova postura em sala, não?
O
professor precisa deixar de ser aquele que detém o conteúdo. Quem detém é a
internet, as redes sociais. Se ele continuar se colocar como o centro
irradiador de conteúdo ele vai sofrer muito. Conheço muitos bons professores
brasileiros que querem, mas não conseguem acompanhar a quantidade de
informações que são produzidas e disseminadas diariamente por meio das
tecnologias de informação. Ele não pode se colocar como alguém que sabe tudo.
Hoje, é bem frequente termos alunos que sabem mais que os professores. São
alunos que tem acesso a outras informações pela internet. Os professores
contemporâneos precisam se colocar como gestores de sala de aula. Funcionando
como técnicos, guias dos alunos. Orientando de forma multidisciplinar os
estudantes. Ele não precisa saber de tudo, mas precisa ser alguém antenado.
Para que
essa postura seja estabelecida, é preciso, então, uma ampla reconfiguração do
nosso modelo de escola…
A escola
é um dos lugares que mais desrespeita o ser humano. Os professores não são
respeitados pela direção. A direção não é respeitada pelas secretarias de
educação. E os alunos são desrespeitados pelos professores e pela escola. Não
temos escolas corajosas para enfrentar esse contexto atual. A realidade das
crianças não são temas frequentes de aula. A escola tem que ser um espaço
democrático onde alunos, professores e comunidade discutam os rumos da unidade.
Quem deve fazer a gestão da escola é o bairro. O nosso sistema de educação
tradicional atual acaba transformando nossos alunos em seres repetidores e não
em indivíduos que produzem pensamentos particulares, que são conteúdos mais
valorizados e mais úteis à sociedade.
E como se
desvencilhar desse modelo tradicional?
Temos que
ter uma escola onde todos os estudantes tenham o direito de ir além. Nosso povo
é extremamente criativo, as crianças precisam saber que podem criar dentro e
fora da escola. Precisamos, também, ser contra a ideia de que o aluno não pode
se impor diante do professor. O estudante deve ter voz dentro da sala de aula e
a sua singularidade deve ser plenamente respeitada. Além disso, as crianças precisam
aprender nas escolas a fazer a gestão da própria vida. A escola tem que
trabalhar mais a questão da autonomia e responsabilidade, sempre de uma forma
mais individualizada.
Não é uma
tarefa fácil estabelecer esse relacionamento…
Dá mais
trabalho apostar nessa ideia de educação mais individualizada, mas se for
preciso 20 anos para termos esse cenário, que gastemos todos esses anos para
isso. O fato é que é ridiculamente fácil esse tipo de ação. Basta implantar um
modelo de tutoria. No Brasil, temos, em média, 12 alunos por professor da
educação básica. No regime de tutoria, os docentes poderiam ganhar um
rendimento extra em troca do acompanhamento da vida de alunos. Bastaria uma
reunião mensal de 15 minutos. Nesse momento, a conversa teria como foco os problemas
na escola e familiares enfrentados pelos estudantes. Tudo poderia ser
registrado numa ficha on-line de acompanhamento da vida escolar do aluno. Dessa
forma, os professores encarariam os alunos além de números e se tornariam mais
humanos. Em troca, ainda sairiam com um porcentual de aumento salarial pelas
tutorias realizadas. Muitos países já trabalham com essa lógica de uma educação
um a um.
Além
dessa aproximação nas relações humanas entre professor e aluno, a senhora
também defende que a escola precisa “ir” mais à cidade. O que isso significa?
A escola
precisa se apropriar da cidade. Professores e alunos devem sair mais juntos das
escolas. Todos vão gostar mais de sair. Atualmente, estou participando do
desenvolvimento do projeto no Espírito Santo que talvez chame Itinerário
Educativo. Com apoio da iniciativa privada e adesão da secretaria de educação
de Vitória, pretendemos criar itinerários pedagógicos que mesclem circuitos
culturais, ambientais e produtivos. Mas o circuito não é passeio, é dar aula,
discutir, pensar o ambiente. Ao invés de dar aula sobre peso na sala, a ideia
seria que essa aula se desse numa padaria. O dono do estabelecimento que
aderisse ao projeto receberia então as crianças com o respectivo professor para
explica o assunto utilizando instrumentos reais, e sempre trabalhando com
situações cotidianas. Assim, o aluno aprende mais rápido a matemática, por
exemplo, e a cidade ficaria mais humanizada. Em troca, o comerciante ganharia
redução de tributos junto à prefeitura.
Trata-se
de mais uma evidência que o conhecimento aprendido por meio da prática vem
ganhando mais espaço nas discussões atuais de educação?
Nós temos
uma tradição de darmos mais espaço à abstração e de sermos distante da vida
prática. Isso tudo, por medo mesmo da interferência social. Isso remonta o
período do regime militar. Na escola, os professores não poderiam falar de
política, atualidades nem trabalhar com jornais. A consequência disso é que
temos gerações que não sabem pensar. A tradição proibiu o professor de pensar.
E essa lógica ainda está presente entre nós, basta ver a forma que foi
estruturada a nossa educação, com grades curriculares pouco flexíveis, provas,
e uma postura de comportamento focado na disciplina. Isso tudo deve ser
imediatamente revisto. Na prática, o aluno aprende mais facilmente.
E como
essa reviravolta na educação do país que a senhora propõe deverá ser efetivada?
Tudo isso
que falei já é uma realidade em várias escolas públicas brasileiras. São casos
reais que representam excepcionais casos de inovação. O que tem que ser feito
no país, agora, é valorizar as boas práticas. E essas boas práticas devem ser
alastradas como se fossem vírus. Mas toda a mudança depende de vontade política
e também de consciência de todos. A mudança não deve começar do zero nem deve
ocorrer da noite para o dia. Deve ser uma mudança cotidiana. Assim, a cada dia
um novo cenário vai desenhando um novo cotidiano.
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